quinta-feira, 8 de abril de 2010

Conferência anarco-feminista: 100 anos da CNT



"Reivindicaram a importância de não separar o problema feminino do problema social"

[Durante todo o mês de março, em Barcelona, realizaram-se umas ambiciosas jornadas sobre anarcofeminismo, integradas nas comemorações do CeNTenário. Centenas de pessoas passaram pelas conferências, mesas-redondas e oficinas para discutir aspectos tanto históricos como atuais relacionadas com as mulheres e com o anarquismo.]

Porquê uma conferência sobre mulheres e anarquia integrada entre os eventos da comemoração do CeNTenário?

A questão de gênero teve um espaço relevante na organização desde o momento do seu nascimento. Foram muitas as companheiras que se envolveram nas lutas cotidianas da nossa organização, com uma menor presença que os homens, mas dispostas a contribuir com a sua força e conscientes do seu papel no objetivo revolucionário. A luta dessas mulheres, para lá da intenção de melhorar as condições de trabalho, centrou-se sobre questões que afetam a qualidade de vida e abrangem toda a comunidade. Foram muitas as companheiras que compartilharam de forma anônima as greves e reflexões, muitas vezes por trás de um pseudônimo ou identificando-se com valentia para defender pontos de vista, muitas vezes controversos, mesmo dentro da organização.

Perseguindo o humanismo integral que a organização ambiciona, reivindicaram a importância de não separar o problema feminino do problema social, embora essas mulheres não se afirmassem feministas nunca, rejeitando assim um rótulo que as ligaria à mulher burguesa e sufragista feminista que liderava o feminismo, à época.

Quais os objetivos pretendidos quando planejaram a organização desta conferência?

Por um lado, quisemos contribuir para os eventos de celebração do centenário da CNT, abordando, numa perspectiva de gênero, uma análise estrutural da situação da mulher militante e/ou libertária, de modo que a evolução específica das suas lutas não fique diluída e disseminada em todo o processo.

Por outro lado, acreditamos que a conferência poderá contribuir para aumentar o grau de visibilidade das mulheres que participam dia a dia, e cremos que se encontraram estratégias para incentivar essa participação. Além disso, formou-se uma plataforma para difundir as idéias libertárias fora da CNT. Finalmente, serviu para que as pessoas que compõem esta organização levantem e analisem questões sobre a desigualdade que ainda hoje está presente até mesmo dentro do movimento libertário.

Uma das áreas temáticas abordava as mulheres, trabalho e sindicalismo. O que poderia destacar sobre isso?

Ana Sigüenza, companheira, ativista e primeira mulher a fazer o trabalho de Secretária Geral do Comitê Nacional da CNT, foi responsável pela abertura da conferência, e fez uma interessante análise histórica da participação das mulheres na CNT, fornecendo dados sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho atual, destacando a segregação por gêneros presente desde o momento em que as jovens escolhem a sua formação. Ana salientou a importância da análise setorial e da estrutura das seções sindicais para promover a participação sindical e o ativismo das trabalhadoras. Estava acompanhada por Laura Vincent, professora de História e doutorada em História Contemporânea na Universidade de Alicante, que afirmou que "o que somos é resultante do que nos foi legado: o regime de Franco insistiu numa ruptura e em parte conseguiu, mas devemos recuperar o passado para nos conhecermos, recuperar o precedente" e ofereceu-nos uma interessante análise sobre os fundamentos do feminismo anarquista, que, segundo afirmava, estruturava-se em três temas principais: a educação, o trabalho e o debate sobre as relações livres.

E para lá da teoria? Que experiências foram compartilhadas pelas mulheres que se organizam em torno das idéias libertárias?

A companheira Vanessa Ortiz, do Coletivo Juana Julia Guzmán, de Bogotá, explicou como estão trabalhando a partir de uma perspectiva feminista e libertária, do outro lado do mundo. Falou-nos sobre as condições sociais e políticas tão adversas em que vive a mulher na Colômbia e de como as áreas fortemente militarizadas afetam o livre desenvolvimento das mulheres no país. Também explicou o trabalho que fazem tentando disseminar as idéias através de programas de ação nos bairros. Vanessa estava acompanhada pela companheira Miriam da coletividade de Manzanares, que revelou outra forma aparentemente diferente de organização à volta das idéias libertárias. Ambas salientaram a importância da formação e da responsabilidade ao mesmo tempo em que evidenciavam as fortes resistências encontradas pelas mulheres, na sociedade em geral e no ambiente próximo, no momento em que decidem passar da teoria à prática no ativismo libertário.

Sobre a difusão das idéias anarquistas, arranjaram um espaço para analisar a participação das mulheres na propagação das idéias libertárias?

Sim, através da experiência pessoal de Marilés García Maroto, companheira do sindicato de Alcoil, jornalista e escritora, entendemos a especial necessidade que, ao longo da história e, hoje, as mulheres têm na propagação das idéias libertárias. Marilés explicou como tinha resolvido dedicar-se à análise e à difusão da idéia e como tinha trabalhado na recuperação em termos históricos do papel que companheiras tiveram nesta área, continuando a publicar material. Atualmente trabalhando para expor a ordem patriarcal e o machismo que nos rodeia. Naquele dia, Marilés compartilhava a mesa com várias companheiras de diferentes projetos editoriais que são estruturados com base nos princípios anarco-feministas, como as companheiras do coletivo RAG da Irlanda, Herstory, Mujeres Preokupando...

Também desfrutaram da participação de outra grande investigadora e escritora, Martha Ackelsberg...

Sim, sim, outra das áreas das apresentações foi dedicada a Mujeres Libres e tivemos a sorte de contar com a Martha. Ela fez uma apresentação sobre a pesquisa que desenvolveu em torno da organização Mujeres Libres, a experiência mais relevante em termos históricos que podemos recordar. Novamente, ajudou a aprofundar o contexto e necessidades que propiciaram o surgimento desta organização. A conferência foi completada pela presença de algumas das companheiras do Congresso de Bilbao de 90 que refundaram Mujeres Libres e que lutaram para o seu reconhecimento como uma organização irmã da CNT e da FAI. Da mesma forma, podemos desfrutar da experiência de companheiras que hoje trabalham num grupo, recentemente formado, de Mujeres Libres na Extremadura. Todas contribuíram para destacar a atualidade das premissas iniciais de Mujeres Libres: "Criar uma expressão feminina consciente e responsável que capacite a mulher para o ativismo".

Foi uma conferência muito completa pelo que conta. Que mais aspectos abordaram?

Até terminar, há ainda o último fim de semana, iremos analisar a relação discriminação de gênero, raça e classe e, finalmente, fechar a conferência com uma apresentação sobre diversidade sexual e anarquismo, onde participarão companheiros do coletivo pro- libertação sexual D-Gênero de Madri. Também podemos participar em oficinas de auto-gestão da saúde, auto-exploração e auto-defesa e projeções sobre a precariedade laboral das mulheres.

Fonte: Jornal CNT Nº 366, abril de 2010.

Tradução > Liberdade à Solta

agência de notícias anarquistas-ana

Tarde de sol,
o armador da rede
range devagar.

Luiz Bacellar

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